terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A minha Lavadeira

Vila de QUIBAXE

Mesmo antes desta "estadia forçada", a Vila não me era totalmente desconhecida. Já aqui estivera por diversas vezes, nas escoltas às nossas colunas de reabastecimento.
Normalmente partíamos do Dange de manhã muito cedo e se tudo corresse bem, chegávamos a QUIBAXE bem antes do meio-dia. Os que ficavam no acampamento esperavam desde logo pelo nosso regresso, não porque estivessem sequiosos ou famintos à espera do reabastecimento, mas porque era nas colunas de reabastecimento que se levava e trazia o ansiado correio.

Poderei dizer que senti na pele durante a nossa estadia no Dange, as quatro estações do ano a que estava habituado. Em plena mata dos Dembos cheguei a ver nevoeiro, a sentir frio, a sentir um calorão desgraçado, e quando chovia, chovia.
Nalguns dias de chuva, a tracção às quatro rodas de nada valiam.


Existiam troços da picada, onde as viaturas para circularem, só quase transportadas ao colo.


Naquele terreno montanhoso e barrento, o lamaçal era tanto que por vezes tínhamos de nos socorrer dos famosos guinchos. E como já referi algures, nestas situações os “burros do mato” eram considerados, os reis.
De fraca estatura, muitas vezes contornavam as Berliets para as desenrascar.
Por não terem direcção assistida “e para não estarem sujeitos a partir as mãos” vi por vezes, condutores largavam o volante e deixar o Unimog seguir pelos trilhos “autênticas valas” que os rodados da colunas tinham feito nos dias anteriores.

Se no dia do reabastecimento o trajecto decorresse sem incidentes, sobrava-me algumas horas para laurear a pevide, mesmo descontado o tempo  dedicado à supervisão. Dava para "entre outras tarefas", tirar a barriguinha de misérias comendo um belo bife de pacaça no restaurante principal, e ainda visitar a minha lavadeira, para lhe entregar a roupa suja e trazer a lavada.
Era uma Preta “que não recordo o nome”, a quem confiava a minha roupa. Sempre certinha, esmera-se por trazer o Furriel nos trinques, no que à roupa diz respeito. Sempre que a procurava era difícil encontra-la. Mas certa vez quando cheguei à Vila, ao contrário do costume, estava à minha espera.
Estranhei vê-la ali, e reparei que mesmo ao longe abanava os braços para chamar a minha atenção. Curioso, "logo após distribuir as tarefas do pessoal" dirigi-me a ela. Ainda a uns metros de distância deu-me a triste notícia.

Meu FURRIÉ, tás Fudido. Loubaram a loupa toda.*

Não sei se havia de rir, se chorar… É pá, não acredito no que dizes. Não me digas que a deste a um turra qualquer, e amanhã vou ser atacado por um preto fardado, e ainda por cima, armado em furriel.

É que dessa vez, também tinha levado o blusão p’ra lavar, e descobri mais tarde, que só tirei as coisas dos bolsos esquecendo-me das divisas.
Lenços, meias ou cuecas, não havia problema porque tinha em quantidade. Quanto a calças e camisas não podia dizer o mesmo. Ameacei-a dizendo-lhe que se não encontrasse a roupa, tinha de a pagar e mudava de lavadeira. Quase chorou e segundo disse, já tinha procurado em todos os coradouros, mas sem resultados. Enfim... Escusado será dizer, que continuei com a mesma.
Nada a fazer: Contra factos não há argumentos.

Quando chegamos ao Grafanil, antes da partida para o Leste, visitei o Casão Militar onde comprei a roupa em falta, repondo o stock. Aproveitei ainda para comprar o meu novo Gravador de bobines GRUNDIG TK247 de luxe.
Ainda hoje “mais de 40 anos passados” e após uma pequena revisão, é aquela máquina. Grava e reproduz no BAIXATÓLA’s BAR os vários quilómetros de música, quase toda ela gravada em Angola. Recordo que vi um irmão gémeo deste gravador na minha 1ª Operação (escolta do MVL a São Salvador do Congo) quando só tínhamos 5 dias de Ultramar. Gostei e sonhei com ele meses a fio.
Calhou mesmo bem, o ter recebido retroactivos de um pequeno aumento do ordenado para juntar às minhas parcas economias. Chegara pois o momento de o comprar.




A história poderia ficar por aqui mas não resisto a contar o resto: ao balcão disseram:
O meu Furriel está com sorte, ainda existe um em stock. Quando acabei de o comprar, “e porque demoraram muito tempo a procura-lo nos armazéns” sem saber saí do Casão Militar depois do último transporte directo ao Grafanil ter zarpado. Resultado!

Com as roupas numa mão e o “caixote cintado de cartão” que continha o gravador na outra, andei a pé largas dezenas de metros com aquele pesadelo, direito à estrada principal para tomar um táxi. Cansado, ia mudando de mãos até que resolvi pôr o gravador às costas.

Não sei como, sem querer deixei escapar o dito, escorregando pelas costas abaixo. Em desespero, consegui “quase ajoelhado” apara-lo com os calcanhares das botas, o que deu para chegar ao chão com a queda amortecida. Sabia que se fosse a válvulas tinha sido o seu fim, mas como era um aparelho robusto, moderno, transistorizado e alemão, rezei para que nada lhe tivesse acontecido. Com suores frios e os calcanhares doridos, apanhei o táxi e voei para uma tomada de corrente eléctrica. Ao abrir o caixote vi que o gravador tinha uma amolgadela na lateral, mas isso pouco importava. Queria, era fazer um teste.

Atenção Senhores óvintes, 1, 2, 3 Experiências…. rebobinei e Repetiu-me.

então agradeci… OBRIGADO SENHOR!

 *- Ficar sem roupa, seria a minha sina. Não porque fosse stripper, mas porque no Leste após acidente, fui evacuado numa avioneta do mato para a cidade do Luso, de maca e nu conforme já aqui contei, na história:
Tenho 1 parafuso a menos? Desculpa!.. Tenho é 2 a mais.

 

O cagaço

Tal como referi na história com o nome “O CROCODILO DANGE”, permaneci internado na enfermaria do BTR (Batalhão de Transmissões) de Quibaxe, durante uma semana ou pouco mais





Quase no final “após a cura”, tive permissão médica para sair do Quartel. Deu assim para ginasticar as pernas dado que estive deitado muito tempo, e também para espairecer a mente pois o regresso ao mato estava por dias. Era só aguardar o novo reabastecimento.


Passeava sózinho, quando sem mais nem menos, reparei numa correria vertiginosa direita aos Musseques dos poucos transeuntes presentes. Estavam quase a desaparecer da minha visão, quando em sentido contrário surgia uma enorme quantidade de homens armados de catana na mão, o que me "assustou". É pá! Que porra é esta?


Eu naquele momento sem arma, e a ver todo o pessoal a correr na minha direcção.

Com alívio, vi que começavam a parar “ordeiramente” na berma, e olhavam para o cimo da rua. Também olhei, e vi que acabava de entrar na “avenida” um Machimbombo velho e vazio.

Aos soluços com um trabalhar incerto ia dando "rateres", descendo lentamente com um rasto de fumo negro. A espaços ia dando umas buzinadelas.

Cada vez apareciam mais e mais homens de catana, e reparei que alguns eram aqueles que vi fugir.

O autocarro parou. Dele saiu o motorista “um Branco de 2ª” que até parecia militar, porque ia gritando ordens de Formar, Sentido, Abrir fileiras, etc.
Vi que os pretos obedeciam sem refilar, e reflectindo acabei por descobrir o que se estava a passar.

(Quando fazia a viagem do Dange para Quibaxe ou vice-versa, passávamos pela Fazenda Maria Manuela, e reparava que o café já estaria pronto a ser colhido)

(Fazenda Maria Manuela)

Seria pois o capataz de um fazendeiro qualquer, que ao longe já vinha dando sinal buzinando sem que eu me apercebesse, mas que não passou despercebido aos candidatos. Vinha buscar “um camião de escravos” para colherem café. Era das únicas oportunidades que o preto tinha de sentir a cor do dinheiro, pois o habitual por aquelas paragens, era comprar e pagar com café.

Surpreso com tudo isso, permaneci parado apreciando o à-vontade do branco.
Percorria as fileiras parecendo estar numa inspecção. Ia retirando os infelizes que tinham o aspecto mais frágil, os mais fracos, os mais velhos.
Queria pois, encher o machimbombo de homens possantes.

Após a selecção, ordenou o embarque. A formatura desfez-se e entraram de rompante para ocuparem os lugares junto às janelas.

De imediato o motorista aos gritos, desatou ao pontapé e à estalada, expulsando todos os que tinham entrado. Ao ver tudo isto reagi, censurando os indígenas.
Voçês são parvos, por se terem deixado apanhar, tendo uma catana na mão.
Ao branco disse-lhe que aquilo não se fazia, muito menos à minha frente.

Sinceramente, não sei se ele não me tinha visto ou ignorado. Mas sei que me pediu desculpa e justificou a atitude. Vim a entender que era uma “terapia” usada desde logo, para mostrar ao preto quem manda a partir daquele momento. Prometeu-me que ia repensar a praxe e arrancou.

Penso que a lotação do machimbombo seriam 40 pessoas
mas de certeza que levava o dobro, talvez o triplo.