segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

CISMI - Curso de Sargentos Milicianos ( 1/3 )


Após assentar praça no R.I.5 nas Caldas da Rainha, fui para o C.I.S.M.I. (Centro de Instrução Sargentos Milicianos) em Tavira. Na manhã do dia seguinte, a apresentação aos nossos superiores. Calhou-me logo o famigerado tenente Rosário, mais conhecido pelo Trótil.
De tarde fomos para o campo de treinos conhecido por Atalaia, mostrar no terreno aquilo de que éramos capazes. Eu era o segundo na fila indiana que se formou.
Estava habituado a fazer as provas físicas no escalão máximo (1ª categoria). Após a ordem, e em passo de corrida, depois de saltar ao galho na plataforma da 1ª e de traspassar a paliçada e o muro também de 1ª, chegou a vez de saltar a vala.
O camarada que ia á frente escolheu a de 2ª mas para mim a de 1ª era canja. Por ser verão, não tinha água e via-se que estava quase cheia de calhaus.
Sem temor, continuei a correr a com toda a força, ganhei impulso e saltei.
Já no ar, é que reparei que ia pousar os pés num buraco, pois faltava o fardo de palha, usado para amortecer a queda. Não conseguindo "travar" ou corrigir, acabei por acertar com o calcanhar do pé direito no murete de tijolo onde encaixava o dito fardo.


A partir deste momento confirmei a veracidade do ditado – Incha Desincha e Passa- porque senti um “estalo” e minutos depois já inchado, o pé não cabia na bota. Primeiro a Enfermaria, logo a seguir uma guia de marcha para me apresentar no Hospital Militar de Elvas. Sózinho, amaldiçoando a sorte lá fui “logo no segundo dia da Especialidade”, de comboio em pleno Alentejo e numa tarde tórrida. Chegado á estação, coxeando, tomei um táxi e com a guia de marcha, apresentei-me no Hospital. Fui para uma enfermaria onde permaneci numa cama, quase totalmente ignorado.
Digo Quase, porque "ao passar o carrinho dos morfos" me foram dando almoço e jantar. Na expectativa, o tempo foi passando e o pé desinchando sem que ninguém me tenha dado ao menos um comprimido. Três dias passaram e Eu, já melhor, com receio de perder a Especialidade fui á secretaria pedir que me dessem alta. Nesse momento ia sendo preso, porque: estive ausente de Tavira e “não tinha entrado” no Hospital. Afinal de que é que o nosso Cabo Miliciano se queixa?

Agora? - de nada!. Quero ir-me embora. Regressei assim a Tavira no quarto e último dia permitido para ausências.

Estive internado pouco tempo, mas o suficiente para ter visto logo no primeiro dia, um Soldado básico de vassoura na mão, que interrompendo a varredura, ia dando palpites de como se deviam dar injecções. O Furriel enfermeiro irritado de tanto o ouvir, perguntou-lhe se as queria dar. De imediato, Aceitou.

De cupróar, o paciente tremia e implorava que não. Reparaste onde o algodão com álcool se cruzou? Sim, foi aqui. Estúpido, não podes pôr a mão. Infectaste isso do novo. Desculpe meu Furriel. Ok vamos lá começar de novo.

Em resumo: quando saí, já todos queriam ser picados pelo básico porque ao contrário do Enfermeiro, era mais humano, mais meiguinho.

CISMI - Curso de Sargentos Milicianos ( 2/3 )



Regressado do Hospital de Elvas, estou de novo em Tavira.

Finalmente deu para conhecer o Tenente Trótil, espécime único pela sua excentricidade. Castigava ou premiava por tudo ou por nada. Dizer que tinha uma pancada é pouco.
Tinha a face um pouco desfigurada com algumas cicatrizes porque um dia “armado em parvo” em vez de utilizar um alicate próprio para o efeito, estrangulou um detonador com os dentes e teve azar. O mesmo rebentou-lhe na boca.
Solteirão, de pequena estatura, convencido e gingão o Tenente Rosário  Sapador e oriundo dos Pupilos do Exército, tinha ciúmes dos militares que nos bailaricos de Conceição de Tavira e arredores, se iam safando com as raparigas enquanto que Ele “mais velho e de fraca figura”, era por vezes rejeitado levando a respectiva tampa.
Se Ela não dançava com Ele, então não dançava com ninguém.

Despeitado, costumava dar um ultimato, segredando ao ouvido daquele que estava a dançar com aquela que o rejeitou:
O Barão tem “x” minutos para se apresentar no quartel.
E o pobre militar zarpava de imediato a todo o gás para chegar antes do prazo terminar, pois o Trótil já lá estava para confirmar.

Nos Crosses, adorava ver a nossa figura, quando na estrada, Ele no meio Nós nas bermas e em passo de corrida, inesperadamente gritava ALTO. Tinhamos de ficar como estátuas nesse preciso instante, conforme sua exigência.
Olhava com toda a calma para todos nós, e tinhamos de resistir sem rir, aos seus comentários jocozos alusivos às nossas diversas e instáveis posições.
Se tudo corria à sua maneira, como era hábito agradecia dizendo: Meus senhores, o Pelotão está taxativamente porreiro.
Meia Volta, MARCHE. e regressavamos ao Quartel ás vezes com poucas centenas de metros percorridos, em vez dos 9 Km habituais, perante o protesto do comandante do Quartel quando nos via chegar.
...........

Era altura do verão.
Os vendedores de gelados, depois de venderem tudo nas praias de Tavira, costumavam encher com água as cubas dos triciclos motorizados, e aceleravam aproveitando as irregularidades do terreno, dava assim para lavar as vasilhas e chegar rapidamente ao máximo de pelotões que recebiam instrução no campo de treinos debaixo de um sol abrasador.
Explorando os militares, vendiam a bom preço a água fresquinha e com diversos sabores, principalmente a "tutti frutti". Possuiam vários púcaros de alumínio para aviarem o máximo de sedentos.

Um dia, lamentamo-nos ao tenente Trótil. Interrompeu a aula e ouviu-nos  atentamente. Por o pré ser escasso, dissemos ao tenente, que não achavamos bem a exploração feita por este algarvéus.

Para nossa surpresa, chamou os “aguadeiros” que espreitavam a oportunidade do intervalo para aparecerem. Pediu uma geral para todo o mundo. Hoje era Ele que pagava.
Foi um esfregar de mãos de contentamento para os vendedores.
Desconfiados bebemos à fartazana e no final quando lhe apresentaram a conta, disparou aos chutos e pontapés, e nem os mais pobres "aqueles que não tinham transporte" que apareciam com os cântaros à cabeça, se safaram. Aliás esses ainda ficaram pior, com as vazilhas partidas.
Escusado será dizer que a partir dessa altura, não apareciam perto do nosso pelotão. Se quiséssemos beber tínhamos de ir ter com eles e com o dinheiro na mão.

Os que lidavam directamente com Ele, ou os que o conheciam melhor, raramente eram apanhados desprevenidos.
Mas uma noite no refeitório, ainda em sentido aguardando a ordem de sentar, Eu segredei ao furriel de serviço queixando-me do pouco azeite existente no galheteiro posto na mesa, e acabei por ser apanhado.
Ó Barão! Eu não disse que queria ouvir as moscas? Pode sair e dirigir-se de imediato ao caifáz.
Pronto, estou frito. Eu conhecia o significado, era a Barbearia. Acabo de apanhar uma “carecada“ e sabia que ele não perdoava. Aguardei a minha vez (Quando o Trótil estava de oficial de serviço, o Caifáz abarrotava de clientes), no entanto quis o pente nº2 em vez do zero, e responsabilizei-me perante o barbeiro que era Eu o responsável caso fosse detectada a meia carecada.
Enquanto estive na barbearia, ele “ao longe” na penumbra, sentado num cadeirão como de costume, espiava se o castigo era ou não cumprido. No final, apresentei-me como era sua exigência dizendo: meu tenente dá licença?, castigo cumprido. Ao que respondeu:
                   Qual castigo?!!       ...Ó Barão, Eu estava a brincar.

CISMI - Curso de Sargentos Milicianos ( 3/3 )



Estávamos avisados por Ele (Tenente Trótil), que hoje, em hipótese alguma se podia falar. Podíamos fazer o barulho que quiséssemos, gritar, fazer até com uma pedra o código morse nos carregadores da G3, dar urros, fazer sinais, mas falar… NUNCAAAA.
Iniciamos assim a operação nocturna. Todo o cuidado é pouco. O inimigo espreita. Entretanto na calada da noite, ouve-se ao longe…baixinho,
ó Sr. Fernando.. mais alto, ó Sr Fernando.. ainda mais alto, ó Sr Fernando.
 
Ao meu lado, o colega Fernando resistindo, hesitava. Xiu, não fales, é o gajo a ver se cais.

Um minuto depois, ouviu-se gritando. Ó SENHOR FERNANDO - PORRAAAA!

não resistiu e respondeu - "DIGA MEU TENENTE". 
Ouça lá!... Imagine que eu sou um “cabecinha de alcatrão”, e sabia que o chefe desta merda se chamava Fernando. O Sr. já estava com um tiro na mona. Não fale porra.
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Muito mais havia para contar de Tavira, nomeadamente a carrada de percevejos que encontramos ao regressar da carreira de tiro onde permanecemos três dias seguidos. Com as casernas fechadas e um calor tórrido, tal praga multiplicou-se. Deviam ser milhares quem sabe milhões, e houve até quem fizesse com uma linha e agulha, um colar de tais bichinhos. Sem me conseguir deitar, fiquei nessa noite na parada sem dormir e tive como companheiro de infortúnio, o meu Amigo Fernando Temudo.

Atrás de mim, podes ver alguns colchões prontos a serem queimados
 
Na manhã seguinte, com as camas desmontadas, fizemos uma desinfestação em profundidade, através de uma enorme fogueira queimando a totalidade dos colchões de palha com os ferros das camas no meio para esterilizar.
Por aqui termino, pois sou agora um Atirador Especialista.