quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Mais duas do Tenente Trótil


Rebuscando no sótão, dei voltas ao miolo… e aqui vão mais umas histórias da nossa guerra, que pelo insólito não resisto a contar.

Nas histórias já aqui descritas, passadas no quartel do CISMI em Tavira
enquanto Eu frequentava o curso de Sargentos Milicianos, fiz algumas referências com alguma minúcia do famigerado Tenente Rosário (mais conhecido pelo Trótil).

Reparo agora que omiti sem querer um adereço inseparável que usava no seu dia a dia. Nem mais nem menos que uns óculos Ray-Ban de cor verde/escuro, sobredimensionados que colocava na ponta do nariz, e lhe davam um ar de puto reguila das docas.



Em plena época de verão, estávamos uma vez mais no campo de treinos, formados em U para nova aula de instrução. Para não variar, debaixo de um sol abrasador.
Com toda a atenção em silêncio, ouvíamos o Trótil  nos seus ensinamentos de guerra.

Cerca de meia hora após o começo, alguém do grupo interrompeu o discurso.

Com uma voz angustiada, ouvimos…Meu tenente dá licença? 
Quem ousou interromper? Sabíamos que só por força maior o podia fazer. Mas pelos vistos o caso não era pra’menos.

Com um ar enfastiado, o Tenente no seu modo peculiar, perguntou: Dizei Barão!...
Meu tenente, preciso de ir à casa de banho.
Porquê Barão?
Porque estou de diarreia meu Tenente.

O Trótil demorando um pouco, coçou a cabeça e disse: NÃO IDES.

... e “Quereis saber porquê?”. 
De imediato ouvimos: NÃO MEU TENENTE.

(Sabíamos que, se não aceitasse-mos de imediato uma punição e quiséssemos saber o Porquê,
tínhamos o castigo a triplicar após a explicação. Se 10 flexões, passava a 30, se 3 cambalhotas passava a 9, etc)

Decorrido algum tempo, o nosso camarada já se contorcia com dores e não resistindo, de novo falou:
Meu tenente dá licença?

O Tenente fingindo-se surdo não ligava, obrigando a algumas repetições.
Por fim, ganhou coragem e quase gritou....MEU TENENTE DÁ LICENÇA ?

Dizei Barão.    ...Meu Tenente, Eu quero saber o Porquê.

Não ides porque em primeiro lugar, não é casa de banho mas sim Cagadeiras.
E em segundo lugar, diarreia tem os senhores oficiais, vocês têm é Caganeira.

Era o nosso Tenente em todo o seu explendor

Como sempre, ninguém de nós podia rir, porque sabíamos estar a ser observados por detrás daqueles óculos escuros. Ao menor trejeito era certo sabido que dali vinha chumbo.
Escusado será dizer, que logo após alterou a decisão.

Recordo, o nosso Camarada a correr aflito com dificuldade direito às retretes do quartel, largando ratéres .


Um colega Cabo Miliciano que não recordo o nome, dizia possuir além do curso industrial, uma especialização em Carpintaria de moldes.

Era um castiço, o chamado bombo da festa. Com feições estranhas, tinha os ossos da cara bem visíveis, as maçãs do rosto pontiagudas parecendo ter sido talhado à enchó. Tinha uma fisionomia igual à do Gepeto da história do Pinóquio. Lembrava um vietnamita e por isso foi baptizado pelo Tenente Rosário como o Vietcongue.



Ora diga lá Senhor Vietcong. O que significa portanto isto que está aqui escrito neste botão? … Marche e Arrêt*.

Nesse dia a aula era de Transmissões, e o Trótil acabara de explicar o funcionamento do AVP1. Para o leitor isto parece código, mas era somente o rádio “portátil” de origem francesa mais comum na guerra, e muito usado para falar com os aviões.
Era também conhecido pelo Banana, talvez devido ao seu formato curvo.
 

O nosso camarada, devido à brincadeira, ignorava de todo aquela pergunta.
Como de costume, sempre que podia "contrariando os avisos", lá estava desatento brincando na formatura.


E uma vez mais foi apanhado. Coçava agora a cabeça e respondeu pausadamente:

Ora meu tenente…Márche…..Márche… quer dizer, Marcha. Muito bem.



E Arréte…Arréte…bom arréte, é à Retaguarda.

Isso mesmo, isso mesmo!... 10 cambalhotas, respondeu o Tenente.



E de novo o amigo vietcongue foi punido, desta vez com dez cambalhotas à retaguarda.

Como ele dizia, dia sem castigo, não era dia. 



Quando se zangava connosco, irritado costumava dizer:
Quando estivermos na guerra, se te encontrar morto num caixão com os pés de fora, meto-tos para dentro meu grandacabrão.



( * ) Para o leitor mais distraído…MARCHE/ARRÊT = Ligar/Desligar
 



4 comentários:

  1. Parabéns pelo blogue, e obrigado por estas memorias," que para quem teve a sorte de não passar por essa guerra,dou graças a Deus" nem conhecer esse Tenente "Grande Burro" se fosse hoje ninguem aceitava ser tratado dessa maneira, mas Sim o enfiavam de cabêça na Cagadeira.. Mas ainda bem que hoje até dà pra rir, e agora Grandes Amigos , recordam tudo isso à volta duma mêsa, com uns bons almoços, bem merecidos.. Muita Saude, e Felicidades para todos...

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  2. Pois meu caro "Manel"!
    Já conhecia a história por a teres contado pessoalmente. Não tenho a certeza, mas penso que o nosso "Trotil" tinha um protegido. O Zé não era. Serias tu? Eh!Eh!
    Aquele Abraço Amigo
    JM

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  3. Foi exactamente hoje Sexta-Feira 13 “dia do azar”, que tive a sorte de confirmar uma vez mais, que o nosso amigo da Companhia 2505 Ex-furriel Merca, é um seguidor assíduo do nosso blogue.

    Ao contrário dos nossos, contribui como ninguém na expansão do mesmo. Divulga-o sempre que pode, noticiando ou postando fotos e não só no Blogue da sua companhia.

    O meu Amigo Merca tal como Eu, está sempre presente, incentivando os Ex militares para mantermos viva a camaradagem conquistada durante a nossa guerra, tentando reunir sempre que pode as Nossas Tropas. Tenho de admitir que a conduta de Merca, é um exemplo a seguir.
    Não é por acaso que tenho uma consideração especial, por este Operações Especiais. Na altura “Judoca federado” era entre outras, solicitado para nos ensinar alguns golpes fatais.

    Recordo a insistência do Furriel Brito, para aprender tais golpes. O Merca, paciente, resolveu finalmente partilhar a sua técnica com todos mas especialmente com o Algarvio.

    No chão e meio da caserna, juntou-se quatro colchões retirados das camas e uma plateia de mirones ao seu redor. Dada a insistência, calhou em sorte ao Brito a honra de iniciar a aula.
    Este, saltitando “qual gazela” de lés a lés do rinque desafiava o Merca. Num ápice vimos ser aplicado ao Brito, o primeiro e único golpe. Como por magia, o aluno ficou debaixo do professor.
    Imobilizado começou a arfar “com falta de ar” tendo conseguido levantar-se a muito custo. Sentou-se “abananado” na borda a cama e deve ter sido o KO mais curto por nós presenciado pois o Brito desistiu há primeira, Auto derrotando-se.

    Mais calmo, o Marafado Algarvéu passou de Ex lutador a expectador, incentivando e dando palpites ao Merca. Mata-me esse gajo, Mata-me esse gajo.

    São recordações de há 45 anos que ficaram “na retina”, mas actualizadas frequentemente nos amiudados encontros presencialmente ou através das novas tecnologias como E-mails ou pelo Skype.

    Muitas vezes, após Eu atravessar o Tejo de barco para a lado de lá, este camarada de longa data me espera á saída da estação com um sorriso, prontificando-se a conduzir-me por Lisboa que conhece como ninguém.

    Fica danado quando o aviso quase em cima da hora da minha ida. De igual modo fico Eu, quando por vezes me chama de bombista.

    Fazendo-me lembrar a canção brasileira (você Abusou) reparo que “nos nossos almoços” tem um cuidado especial com a saúde, comendo quase sempre peixinho grelhado o que me leva a segui-lhe o exemplo.
    Por isso me recordo com alguma saudade a ultima dieta diferente e de meu gosto que comi na sua presença. Umas belas Favas com chouriço.

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  4. Boa a dieta** eheheheh..... Favas com chouriço!! **

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