terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O cagaço

Tal como referi na história com o nome “O CROCODILO DANGE”, permaneci internado na enfermaria do BTR (Batalhão de Transmissões) de Quibaxe, durante uma semana ou pouco mais





Quase no final “após a cura”, tive permissão médica para sair do Quartel. Deu assim para ginasticar as pernas dado que estive deitado muito tempo, e também para espairecer a mente pois o regresso ao mato estava por dias. Era só aguardar o novo reabastecimento.


Passeava sózinho, quando sem mais nem menos, reparei numa correria vertiginosa direita aos Musseques dos poucos transeuntes presentes. Estavam quase a desaparecer da minha visão, quando em sentido contrário surgia uma enorme quantidade de homens armados de catana na mão, o que me "assustou". É pá! Que porra é esta?


Eu naquele momento sem arma, e a ver todo o pessoal a correr na minha direcção.

Com alívio, vi que começavam a parar “ordeiramente” na berma, e olhavam para o cimo da rua. Também olhei, e vi que acabava de entrar na “avenida” um Machimbombo velho e vazio.

Aos soluços com um trabalhar incerto ia dando "rateres", descendo lentamente com um rasto de fumo negro. A espaços ia dando umas buzinadelas.

Cada vez apareciam mais e mais homens de catana, e reparei que alguns eram aqueles que vi fugir.

O autocarro parou. Dele saiu o motorista “um Branco de 2ª” que até parecia militar, porque ia gritando ordens de Formar, Sentido, Abrir fileiras, etc.
Vi que os pretos obedeciam sem refilar, e reflectindo acabei por descobrir o que se estava a passar.

(Quando fazia a viagem do Dange para Quibaxe ou vice-versa, passávamos pela Fazenda Maria Manuela, e reparava que o café já estaria pronto a ser colhido)

(Fazenda Maria Manuela)

Seria pois o capataz de um fazendeiro qualquer, que ao longe já vinha dando sinal buzinando sem que eu me apercebesse, mas que não passou despercebido aos candidatos. Vinha buscar “um camião de escravos” para colherem café. Era das únicas oportunidades que o preto tinha de sentir a cor do dinheiro, pois o habitual por aquelas paragens, era comprar e pagar com café.

Surpreso com tudo isso, permaneci parado apreciando o à-vontade do branco.
Percorria as fileiras parecendo estar numa inspecção. Ia retirando os infelizes que tinham o aspecto mais frágil, os mais fracos, os mais velhos.
Queria pois, encher o machimbombo de homens possantes.

Após a selecção, ordenou o embarque. A formatura desfez-se e entraram de rompante para ocuparem os lugares junto às janelas.

De imediato o motorista aos gritos, desatou ao pontapé e à estalada, expulsando todos os que tinham entrado. Ao ver tudo isto reagi, censurando os indígenas.
Voçês são parvos, por se terem deixado apanhar, tendo uma catana na mão.
Ao branco disse-lhe que aquilo não se fazia, muito menos à minha frente.

Sinceramente, não sei se ele não me tinha visto ou ignorado. Mas sei que me pediu desculpa e justificou a atitude. Vim a entender que era uma “terapia” usada desde logo, para mostrar ao preto quem manda a partir daquele momento. Prometeu-me que ia repensar a praxe e arrancou.

Penso que a lotação do machimbombo seriam 40 pessoas
mas de certeza que levava o dobro, talvez o triplo.


2 comentários:

  1. O meu amigo está cá com uma veia de escritor, que em menos de 1 hora, publicou um caudal de "estórias" de respeito.

    Um abraço amigo!
    FS

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    1. São “vaipes” que por vezes surgem na mona, e antes que desapareçam apresso-me a contar.
      Acho que preciso de fazer uma Desfragmentação da mesma.

      Grato pelo comentário e pela visita!...

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