terça-feira, 31 de julho de 2012
terça-feira, 24 de julho de 2012
Tropa assim... só de Elite.
CANGUMBE - Leste de Angola
Como de costume, alguns ficavam tranquilos a são e salvo no
bem bom do arame farpado, enquanto que uma vez mais, os operacionais arriscando
a vida, eram escalados para nova missão.
Na manhã seguinte, de novo e à hora marcada, o meu Pelotão (o
3º) embarcou nos Unimogues e foi como sempre, lançado lá longe, onde não era
mais possível às viaturas ultrapassar o obstáculo, normalmente um rio.
Sem
pontes, a partir de agora sem carros, deslocava-mo-nos "a penantes",
Era a altura de pôr à prova o que tínhamos aprendido.
Quem não se
lembra das travessias de entre outros, os rios Dange, Munhango,
Lunguébungo ou Caxipoque?.
Ignorando quem sabia nadar, com a ajuda de todos, era
hora de o atravessar. Alguns de botas ao pescoço, mas todos com a G3 e os
pertences no ar "principalmente o casqueiro", a custo chegávamos à outra margem.
Depois retiravam-se caso
fosse necessário, as sanguessugas que se tinham agarrado ao corpo.
São experiências e sensações que os nossos amigos “mangas de
alpaca” felizmente desconhecem. Uma vez mais ficávamos encharcados até aos ossos, dando para sentir e
até ver a roupa a secar no corpo, olhando o “fumo” que saía de nós.
Iniciamos assim a caminhada, mas a única pessoa que
minimamente conhece a zona é o Guia. Um preto com ispértu nuz kabessa, que sinceramente
não me inspirava confiança.
Reparei que não ficou muito contente, quando logo no
início, quis que lhe déssemos uma arma para defesa pessoal, alegando que os nossos colegas "que rendemos" lhe emprestavam uma Mauser, mas não convencido, teve de se satisfazer
com a autorização para usar a sua catana.
Lembro-me muito bem que
é a mesma pessoa que numa operação recente nos obrigou a cavar “uma sepultura”,
porque nos atemorizou.
Disse: Meu Furiel, aqui não são us militar que procura us turra, mas us turra, que procura us militar.
É certo que viemos para aqui, porque camaradas nossos tinham
sido mortos de madrugada, numa emboscada enquanto dormiam. Sugeriu-nos então, “já
não era a primeira vez”, que alterássemos o sítio para dormir, dado o barulho
feito durante “o jantar”.
Com toda a cautela e aproveitando o pouco luar existente, em silêncio em fila
indiana atravessamos a chana, andando algumas centenas de metros direitos a uma
mata cuja silhueta ao longe, nos pareceu ser um local ideal para pernoitar.
Como durante a tarde, tínhamos
descoberto algumas pegadas de pés descalços, depois de uma troca de
impressões com o alferes Costa e o furriel Brito, achamos por bem, Eu
armadilhar o trilho de acesso.
Sem fita métrica ou bloco de apontamentos, olhei demoradamente
o local tentando memorizá-lo, e aconselhei a que ninguém se desloque demasiado. Quase
às escuras, com o cuidado possível atei uma granada armadilha “instantânea” a
uma árvore e "no trilho de chegada" estendi um arame de tropeçar com a devida folga, não fosse surgir
uma ventania e oscilar demasiado as árvores.
Extenuados do cansaço, depois de designados os
sentinelas, voltamos ao silêncio da noite,
interrompido como sempre pelas vozes da selva de onde sobressai os sons parecidos com assobios, que me causam apreensão por parecerem turras numa
troca de sinais.
Os minutos passavam e já noite serrada, ouvimos uns ruídos estranhos.
Que seria?: Mas logo descobrimos que era o Guia, o autor dos mesmos.
Com medo de ser atacado,
quis fazer uma vala para se proteger, o que nos levou a "seguir o seu conselho”.
Como a faca de mato "mais conhecida por Punhal" pouco dava para cavar, quando o Guia terminou,
acabei por lhe pedir a catana para “tacteando” acabar o meu esconderijo.
Era um abrigo com pouco mais de palmo e meio de
profundidade com um muro “generoso” a toda a volta feito com a terra retirada do buraco.
Dadas as dimensões, permaneci esticado e quase sempre deitado na mesma posição por
causa do que devia ser uma maldita raiz da árvore ao lado, que me magoava as
costas sempre que rodava o corpo.
Mais
devido ao enorme frio da noite do que ao receio de ataque, pouco ou quase nada
dormi. Recordo-me de acordar enregelado, firme e hirto.
Com
dificuldade exercitei braços e pernas e pouco depois desmontava a armadilha
descoberta a grande custo, pois aquilo que na noite parecia uma rua de
acesso, não era mais do que um recente trilho no capim, criado por nós.
Logo de
seguida "com o credo na boca", partimos continuando a operação direito ao objectivo traçado. Afastados
uns metros do local, olhei para trás e jamais esquecerei aquela visão dantesca. Com as campas abertas.
Parecia que
tínhamos acabado de sair de um cemitério*
Impressionado,
olhei vezes sem fim, lamentando não ter na altura, a minha modesta companheira Yashica Linex 5000E.
Além da G3 e
“cartucheiras”, de duas granadas defensivas, do saco de dormir, da faca de mato, do ponche, do cantil da água... “era” costume levar a minha máquina fotográfica.
Por ser de Minas e Armadilhas, levava
também quase sempre, uma granada armadilha, arame de tropeçar, petardos de TNT
mais conhecido por trótil, uns metros de cordão e alguns detonadores.
Por ser
fumador, carregava ainda com os inevitáveis maços de tabaco correspondentes aos
dias previstos de ausência do quartel.
A quantidade de rações
de combate dependia dos dias para a operação. Muitas delas de sete
dias, eram sete as rações. De mochila às costas, por ser magricela, os meus
ombros ao fim de umas horas de caminhada costumavam sangrar. Antes que tal acontecesse, improvisava por
vezes uma almofada com o ponche, que mal resultava, mas nada disso impedia a
missão.
Dos fracos não reza a história.
Era normal
desfazermo-nos de tudo o que pesava quando fazíamos uma operação. As caixas de
cartão das rações, algumas latas de conserva, as chaves de as abrir "excepto uma",
muitas guloseimas e até o papel celofane eram retiradas para reduzir o peso. O que interessava, era guardado na caserna para alguma ocasião especial.
Só muito poucos "com
grande cabedal" não se importavam de carregar com tudo, chegando a haver os que
partiam com algumas garrafas de cerveja na mochila, cuja frescura desaparecia ao fim de poucos
minutos para quase não dizer, segundos.
De saco às costas e arma em posição, apreensivos em
silêncio, lá íamos caminhando de novo debaixo de um sol abrasador.
Uma vez mais
ignorávamos a posição do inimigo.
Consultando a bússola e a carta
topográfica verificamos pela escala que, talvez mais um dia e atingíamos
o objectivo. Extenuados da caminhada, estávamos ansiosos (dado a hora tardia) de
encontrar novo local para descansar.
Eis que umas horas depois ele surge convidativo
para a janta, bem como talvez pernoitar. Tudo vai depender do barulho feito, que nos
poderá denunciar, ou até quem sabe, da opinião do Guia.
Como sempre, evitava trocar o belo casqueiro saído recentemente do forno “crocante na
partida” que levava dentro de um saco de plástico, pelas bolachas de água e sal.
Com o saco bem atado, depois de retirada a quantidade estudada a cada refeição, servia normalmente de travesseiro para dormir. Espalmado e sem graça, cada vez mais fofinho, acabava
ficando em migalhas de pão.
As latas de sardinha de hoje feitas em alumínio de abertura
fácil, são bem diferentes daquelas em chapa com a tampa soldada a estanho.
Ao
almoço foi atum, para o jantar é a lata de sardinhas que marcha.
Cansado e faminto, encostado ao saco que faz de mochila, e de
pernas cruzadas preparei-me para dizimar o lauto repasto.
Há falta de mesa e toalha,
abri o lenço e limpei a área dos arbustos e folhas, deixando à vista alguns bicharocos residentes
naquelas matas.
Munido da única chave abre-latas, enfiei a aba da
tampa da lata na ranhura da chave. Rodando com algum esforço, e cuidado para não me
cortar, a tampa lá se ia descolando da lata enrolando-se como sempre, mais
parecendo uma mola.
Quando estava quase toda aberta, escapou-se-me a lata das mãos, e
num ápice vi o meu jantar ser catapultado, projectando-se a uns dois metros de
distância.
Em desespero, rapidamente procurei pelas minhas ricas sardinhas, que
jaziam inertes, espalhadas entre as folhas já cobertas de bichinhos e afins. Parecia instantâneo. Com uns sopros e beijinhos, uma a uma retomaram o seu lugar na respectiva
lata. Com "um misto de sabor" terra com sardinhas e formigas, souberam-me
divinamente.
Nesse momento, em silêncio pedi desculpas à Minha Querida Mãezinha, pelas figuras parvas que fazia quando "lá em casa" por acaso encontrava algo estranho na
comida, por muito pequeno que fosse.
*(Talvez Michael
Jackson, se tenha baseado naquilo para fazer o vídeo - Thriller)
segunda-feira, 23 de julho de 2012
quarta-feira, 18 de julho de 2012
terça-feira, 17 de julho de 2012
Se bem me lembro...
Bairro do CAZENGA: Uma vez mais, a ronda.
Desta vez fomos alertados pelos residentes, que
diziam ter apanhado um “pilha galinhas”, e lá estava ele
choroso
de pé, em cima de um pequeno banco, atado a um mamoeiro.
Quando
o desamarrei, impressionou-me ver os vincos nos braços do meliante, fruto de um
demasiado aperto da corda que o amarrava.
Recordo o medo estampado no seu rosto,
não por ir preso mas porque “segundo dizia”, não tinha os braços. Por falta de
irrigação sanguínea estavam dormentes, pedi que os rodasse, o que fez de
imediato e com tanta força que parecia querer levantar voo.
Ao longe ouvia-se uma cantoria.
Mais tarde, quando o levávamos para a 7ª esquadra, verifiquei tratar-se de um funeral. Por respeito, todo o pessoal se calou, dando assim para ouvir
bem o que disse um "branco de 2ª" que já de grão na asa, falou:
isso mesmo nosso furriel, leve esses turras
para a prisão,
por causa desses merdas é que existe a guerra, etc. etc. Mas não ligamos.
No regresso, ainda lá estava.
Cada vez mais
bêbado, reconfortava agora a viúva, continuando a beber
"à saúde do morto".
Mandou mais umas
bocas, e de novo não liguei, mas o 1º cabo Mourão não: Identifique-se por favor.
Ó pá desculpa, não tenho comigo a
identificação.
Ai não tem? Então
acompanhe-nos.
Sou branco, sou camionista, sou português, …sou tudo.
Exacto, por isso mesmo, vai preso. E
foi.
..........+++..........
De novo, no Musseque do CAZENGA.
Logo de manhã à nossa
chegada, fomos recebidos quase de braços abertos por outro camionista. Conduzia um
camião carregado de café e segundo disse, desde a madrugada ansiava pela nossa presença.
Estava enrascado, porque enfiou o rodado da frente do camião numa vala e não conseguia sair.
Os moradores do
musseque, andavam a fazer uma casa nova.
Para ligar a água do fontanário
existente no outro lado da rua, abriram uma vala para
passar a mangueira, tendo o cuidado “para ninguém cair” de a
tapar, metendo
um ligeiro passadiço.
Era
uma vala tão pequena, que deu para enfiar o rodado da
frente do camião, ficando pendurado pelo radiador.
O meu Unimog era o famigerado “burro do mato”, equipado
com o famoso guincho, que quando necessário, nunca nos deixou ficar mal.
Era
preciso a sua ajuda uma vez mais.
Sem demoras conseguiu-se desenrascar o
senhor.
Agradecido puxou da única nota que tinha, “segundo
disse” uma
nota de 500 angulares, que quis dar. Recusei por diversas vezes, mas dada a
insistência, um soldado acabou por dizer:
Se o meu furriel não quer, queremos
nós.
O camionista ouvindo, deu-lhe a nota. Uns minutos depois após a sua ausência, combinamos gastar
tal quantia no marisco.
Fomos a um restaurante no Cacuáco. Era um local
à beira-mar, com uma esplanada e mesas redondas,
com telhado “também redondo” em capim.
Habituados aos
preços na metrópole,
esclarecemos de imediato o dono, que aquele dinheiro seria para o marisco, e as cervejas seriam à parte.
Éramos quatro de
cada lado atrás no banco, mais Eu e o condutor à frente, no total 10 militares.
Lagostas,
lavagantes, e “outros répteis”, foram até fartar. Continuavam a ser servidos
mais e mais pratos do material e avisamos o dono. Esclareceu que estava tudo controlado e que as cervejas estavam incluídas. Não pode ser. Achamos demasiado, e voltamos
a avisar.
O tempo foi passando, e empanturrados, resolvemos dar o fóra antes que
revisse as contas. Uns 100 metros percorridos, e ouvimos o senhor a chamar
bem alto. Meu furiel, Meu furiel.
Pronto, “estamos tramados” bem dizia-mos nós. Sem mais
dinheiro, agora vai ser o bom e bonito, vamos ter de deixar as G3 de penhora.
Comprometidos, voltamos e não queríamos acreditar. Queria dar-nos 200 de troco.
É chefe! Fique lá com isso.
Agradeceu, e sorridente
disse:
Voltem Sempre.
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