o Sr. Silva "o único branco e chefe do agrupamente da J.A.E.A." era também chamado pelos subordinados de Samuapa*.
Segundo consegui apurar ao falar
com o velho Sóba da sanzala era um nome que significava: inconstante, irrequieto, terrible. Tipo rude e veterano, tinha tanto de simpático como de sacana como pude constatar.
Confessou-me que, ao longo da picada em
todos os estaleiros que montava, tinha como preocupação conferir se os
subordinados executavam a rede de protecção conforme as suas ordens. Segundo me
pareceu, o importante não era o comprimento nem a largura do recinto, mas sim a
altura da primeira fiada de arame farpado que não podia ser inferior à altura
de um porco. Quando tudo pronto, preocupava-se em informar o chefe da povoação para
que divulgasse o seguinte:
É expressamente proibida a tudo e todos, a entrada no
recinto vedado do estaleiro, sem autorização prévia. A desobediência é considerada invasão,
por conseguinte, abrimos fogo.
Recordo-me, Ele sentado no chão encostado à parede
da casa que construíra, com a espingarda ao lado, atirando pedrinhas tentando atrair uns frangos que rondavam a cerca.
Adivinhando
o seu fim, ainda longe já os ia chamando baixinho: anda cá churrasco, anda cá churrasco. Uns segundos depois já
com a espingarda na mão, gritava bem alto: Vai
entrar, vai entrar.
Ao ouvirem estes avisos, por vezes os donos
correndo, conseguiam impedir a entrada dos animais. Vi um que em desespero, mandou
um mergulho ficando meio fóra meio dentro do arame farpado impedindo a entrada
do porco.
(Um a Zero) Ganhou o porco, perdeu o Samuapa. Mas nem
sempre era assim.
O dia 15 de Outubro de 1970 (dia do meu
aniversario)
Passei-o na companhia da Gina e do Gito. Era um casalinho amoroso de gémeos,
que pedi emprestados à mãe. Além da ração de combate, levei café com leite, pão,
bolachas, marmelada e não só. Sentados num cobertor estendido ao lado da pista e à sombra d’um "chaparro", comemos bebemos e demos cambalhotas até fartar.
À tardinha regressado ao acampamento, o Sr. Silva
“ralhou-me” porque soube que era dia do meu aniversário e fazia questão de
festejarmos a data, à sua maneira.
Como Trasmontanos que somos, o nosso Furriel
tem de aceitar algo como prenda. Depois de recusar a sugestão que apresentou “um cafeku”, sugeri que numa próxima noite que fosse à caça, me convidasse.
Umas horas depois sem Eu contar, vieram-me chamar porque o Samuapa estava à minha espera para
partirmos. Admirei-me da prontidão e agarrei na G3.
Quando
cheguei, esperava ver um grupo de homens armados em três ou quatro viaturas,
mas afinal era só um camião basculante Magirus com Ele ao volante e um
black com um holofote em cima na carroçaria. Apreensivo, perguntei se não era arriscado, mas respondeu
que era amigo dos turras.
Saindo da zona de protecção, percorremos "embrenhados na escuridão" largos
quilómetros mata adentro, até que apareceu a primeira peça de caça.
Encandeada pelo holofote, Quis dar-me a
oportunidade de a matar, mas como Eu não via nada, acabou por ser Ele.
Umas centenas de metros à frente, sempre debaixo de arvoredo, perseguia mais
uma.
Zangado com as oscilações da luz que o homem do projector fazia, (para se
desviar dos ramos das árvores que constantemente “pairavam” sobre a sua cabeça),
gritava com ele.
Com o camião parado, mas o motor a trabalhar
fazendo a trepidação característica, dizia-me incrédulo: o nosso Furriel não
consegue ver o animal? Não vê os “olhinhos a reluzir?” Sinceramente
não…
É pá, pára-me essa merda! Gritava com o
funcionário.
Segundo disse, como a caça já ia embora
agarrou na arma e uma vez mais ouvi o Pum... O ajudante desceu do camião e trouxe a peça
de caça, deixando-me envergonhado por não ver tamanho animal.
A próxima nem que fuja, tem
de ser sua, garantiu. Não tardou muito até aparecer. Ralhou uma
vez mais. Pára’miço fdp.
E agora?
O Furriel não a está a ver
ali mesmo à nossa frente? Confesso que não,
Sr. Silva.
Pára’miço fdp. Pára’essa merda.
Há terceira ou quarta reprenda, gritou: VAI A PÉ, e carregou na alavanca do camião.
A carroçaria levantou “descarregando assim" o homem, a bateria, o holofote e as duas peças de
caça.
Praguejando, iniciou o regresso.
A partir daí, foi a minha vez de quase me zangar.
Ó Sr. Silva, se me quer dar defacto uma prenda, volte
atrás e vamos buscar o homem por favor. Sem me ouvir, acelerava, e tive de repetir diversas vezes,
para finalmente me fazer a vontade.
Naquela mata cerrada depois de tantos quilómetros percorridos, pensei apreensivo, que seria quase impossível descobrir o local onde deixou o preto, mas rapidamente o Samuapa foi ao encontro dele que carregando a bateria de holofote ligado, vinha arrastando os dois animais.
Agradece ao nosso Furriel, que hoje faz anos.
Cansado mas sorridente adivinhava o que se passou, a partir desse
momento
ganhei um Amigo que gostava de
um dia encontrar.
Esta é uma sacanagem do Samuapa, entre muitas
outras….
Uns tempos depois deixamos o Lunguébungo para regressamos à base, como quem diz, ao Lucusse.