sábado, 26 de maio de 2012

LUNGUEBUNGO:-(2ª parte)


o Sr. Silva "o único branco e chefe do agrupamente da J.A.E.A." era também chamado pelos subordinados de Samuapa*.

Segundo consegui apurar ao falar com o velho Sóba da sanzala era um nome que significava: inconstante, irrequieto, terrible. Tipo rude e veterano, tinha tanto de simpático como de sacana como pude constatar.

Confessou-me que, ao longo da picada em todos os estaleiros que montava, tinha como preocupação conferir se os subordinados executavam a rede de protecção conforme as suas ordens. Segundo me pareceu, o importante não era o comprimento nem a largura do recinto, mas sim a altura da primeira fiada de arame farpado que não podia ser inferior à altura de um porco. Quando tudo pronto, preocupava-se em informar o chefe da povoação para que divulgasse o seguinte:

o Sóba de Lunguébungo

É expressamente proibida a tudo e todos, a entrada no recinto vedado do estaleiro, sem autorização prévia. A desobediência é considerada invasão, por conseguinte, abrimos fogo. 

Recordo-me, Ele sentado no chão encostado à parede da casa que construíra, com a espingarda ao lado, atirando pedrinhas tentando atrair uns frangos que rondavam a cerca.
Adivinhando o seu fim, ainda longe já os ia chamando baixinho: anda cá churrasco, anda cá churrasco. Uns segundos depois já com a espingarda na mão, gritava bem alto: Vai entrar, vai entrar.

Ao ouvirem estes avisos, por vezes os donos correndo, conseguiam impedir a entrada dos animais. Vi um que em desespero, mandou um mergulho ficando meio fóra meio dentro do arame farpado impedindo a entrada do porco.
(Um a Zero) Ganhou o porco, perdeu o Samuapa. Mas nem sempre era assim.

O dia 15 de Outubro de 1970 (dia do meu aniversario)

Passei-o na companhia da Gina e do Gito. Era um casalinho amoroso de gémeos, que pedi emprestados à mãe. Além da ração de combate, levei café com leite, pão, bolachas, marmelada e não só. Sentados num cobertor estendido ao lado da pista e à sombra d’um "chaparro", comemos bebemos e demos cambalhotas até fartar.
a Gina                                                   o Gito

À tardinha regressado ao acampamento, o Sr. Silva “ralhou-me” porque soube que era dia do meu aniversário e fazia questão de festejarmos a data, à sua maneira.

Como Trasmontanos que somos, o nosso Furriel tem de aceitar algo como prenda. Depois de recusar a sugestão que apresentou “um cafeku”, sugeri que numa próxima noite que fosse à caça, me convidasse.

Umas horas depois sem Eu contar, vieram-me chamar porque o Samuapa estava à minha espera para partirmos. Admirei-me da prontidão e agarrei na G3.

Quando cheguei, esperava ver um grupo de homens armados em três ou quatro viaturas, mas afinal era só um camião basculante Magirus com Ele ao volante e um black com um holofote em cima na carroçaria. Apreensivo, perguntei se não era arriscado, mas respondeu que era amigo dos turras.


Saindo da zona de protecção, percorremos "embrenhados na escuridão" largos quilómetros mata adentro, até que apareceu a primeira peça de caça.

Encandeada pelo holofote, Quis dar-me a oportunidade de a matar, mas como Eu não via nada, acabou por ser Ele.
Umas centenas de metros à frente, sempre debaixo de arvoredo, perseguia mais uma.

Zangado com as oscilações da luz que o homem do projector fazia, (para se desviar dos ramos das árvores que constantemente “pairavam” sobre a sua cabeça), gritava com ele.
Com o camião parado, mas o motor a trabalhar fazendo a trepidação característica, dizia-me incrédulo: o nosso Furriel não consegue ver o animal? Não vê os “olhinhos a reluzir?”  Sinceramente não…

É pá, pára-me essa merda! Gritava com o funcionário.
Segundo disse, como a caça já ia embora agarrou na arma e uma vez mais ouvi o Pum... O ajudante desceu do camião e trouxe a peça de caça, deixando-me envergonhado por não ver tamanho animal.

A próxima nem que fuja, tem de ser sua, garantiu. Não tardou muito até aparecer. Ralhou uma vez mais. Pára’miço fdp.

E agora?
O Furriel não a está a ver ali mesmo à nossa frente? Confesso que não, Sr. Silva.
Pára’miço fdp. Pára’essa merda.


Há terceira ou quarta reprenda, gritou: VAI A PÉ, e carregou na alavanca do camião.
A carroçaria levantou “descarregando assim" o homem, a bateria, o holofote e as duas peças de caça.

Praguejando, iniciou o regresso.
A partir daí, foi a minha vez de quase me zangar.
Ó Sr. Silva, se me quer dar defacto uma prenda, volte atrás e vamos buscar o homem por favor. Sem me ouvir, acelerava, e tive de repetir diversas vezes, para finalmente me fazer a vontade.
......
Naquela mata cerrada depois de tantos quilómetros percorridos, pensei apreensivo, que seria quase impossível descobrir o local onde deixou o preto, mas rapidamente o Samuapa foi ao encontro dele que carregando a bateria de  holofote ligado, vinha arrastando os dois animais.
Agradece ao nosso Furriel,  que hoje faz anos.

Cansado mas sorridente adivinhava o que se passou, a partir desse momento
ganhei um Amigo que gostava de um dia encontrar.

Esta é uma sacanagem do Samuapa, entre muitas outras….
Uns tempos depois deixamos o Lunguébungo para regressamos à base, como quem diz, ao Lucusse.

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