sábado, 26 de maio de 2012

LUNGUEBUNGO:-(1ª parte)


= Lunguebungo =


Destacados da Companhia que estava aquartelada no Lucusse, o meu pelotão foi para o Lunguebungo dar protecção à J.A.E.A. (Junta Autónoma de Estradas de Angola),
 que fazia na altura, uma pista de aviação para os Fuzileiros.

Aqui tivemos uma vez mais, a confirmação de que a guerra não era igual para todos.

 Enquanto que os da Marinha viviam à grande e à francesa com todas as condições "que considero serem as ideais", nós do Exército, mais precisamente da Infantaria,
éramos  uma miséria franciscana. 

Os Fuzos tinham instalações de pedra e cal, nós as simples tendas de campanha.
Os Fuzos tinham geradores eléctricos, nós a luz das velas. Desde há muito, que tínhamos o stock das camisas (e não camisinhas) dos petromax, esgotado.

Refiro entretanto, que durante a nossa estadia tivemos uma sã convivência com estes fuzos, mesmo até uma relação de amizade. 
Ao terceiro dia nesta povoação, tivemos a visita de um Fuzo, que montado no seu belo Unimog a gasolina, veio transmitir um recado do comandante.

Os Senhores tem de comparecer hoje sem falta no quartel dos fuzileiros, até à hora do jantar.
É pá!...Será que era nossa obrigação, apresentarmo-nos aos Fuzos, quando rendemos a nossa tropa? Estamos tramados!...


Apreensivos, lá fomos (o alferes Costa, Eu e o furriel Brito) a cavalo num "burro do mato a gasóleo", pensando na repreensão que íamos levar.

Fomos recebidos à porta d'armas  com todos os salamaleques, e "dentro" ao sermos anunciados, ouvimos um arrastar de cadeiras.
Uma porta se abriu e entramos na enorme sala de jantar.
Todos de pé à volta da mesa, com um sorriso malandro destacou-se o Chefe.

De imediato em silêncio, escutamos:

Constatamos que os senhores ao fim de três dias por estas paragens, cometeram três faltas graves. Ou seja: Não se dignaram fazer-nos uma visita de cortesia para jantar connosco. Que não se repita. Boas vindas, sentemo-nos e bom proveito.

Agradavelmente surpresos com tamanha simpatia, depois de bem comidos e bem bebidos, ouviram as nossas carências.
Para nossa surpresa, no final do repasto, ofereceram-nos uma mão cheia "das ditas" para os petromaxes.

Depois disto
no que respeita ao futebol, as nossas tropas nos frequentes confrontos, demonstravam que afinal sendo diferentes, éramos iguais ou até melhores.

 Quartel dos fuzileiros

O nosso pão continuava a ser cozinhado num forno a gasóleo, dando bem para notar no  seu sabor. O cozinheiro já tinha revelado por diversas vezes, que se tivesse um forno a sério e a lenha, “outro galo cantaria”.

Um dia fizemos-lhe a vontade. Pedi ao Sr. Silva (o Samuapa*) chefe da brigada da JAEA, que no regresso do trabalho trouxesse umas pázadas de barro para construirmos um forno.
E dito e feito.

Supervisionando a obra, baseado nas indicações existentes nos manuais de sobrevivência, orientei a construção. Em vez de cimento armado, fizemos em barro aramado. Há falta de ferro, a estrutura foi executada com pequenos ramos e canas. Sem tijolos, fizemos uns moldes para executar adobos com uma mistura de barro e capim.
Confesso que já sonhávamos com um belo assado: quem sabe, talvez no meio do tabuleiro que tinha sido usado pelo mecânico para lavar as peças, uma "cabrinha do mato" rodeada com batatinhas novas (velhas, cortadas em quatro e arredondadas nas pontas), acompanhada pelas Cucas ou Nocais da nossa arca frigorífica a petróleo...

*******
Trabalhando com afinco, logo no segundo dia encheu-se desde a base à soleira.
No terceiro, enquanto que o sol abrasador dava consistência secando o barro, com muito cuidado fez-se o “vigamento” da parte superior.
No quarto dia, entusiasmados, começamos bem cedo, terminando a obra ao final da tarde.
Extenuados, depois de comer aquela que seria talvez das “últimas” rações de combate ao jantar, recolhemos aos nossos aposentos para um descanso bem merecido.
A partir de agora, é que vai ser….


Era noite cerrada, quando ouvimos uma tremenda explosão.
Teria sido um ataque? Uma bazucada?

Agarramos de imediato na G3, mas logo se descobriu o que acontecera.

A culpa foi do cozinheiro que ansioso por inaugurar o forno, não esperou pelo dia seguinte. Vendo que a obra estava concluída, e “como ainda era cedo” quis fazer um teste. Segundo contou, para fazer as brasas acendeu uma pequena fogueira que se apagou logo após. Com o ambiente húmido e água ainda a escorrer do tecto, fez mais três tentativas que não resultaram.

Então pensou numa solução drástica e infalível.
Vendo que a fogueira uma vez mais definhava, dirigiu-se a um Unimog sacou o jerrican e:
Consciente do perigo "segundo disse" a uma distância segura, para atiçar o lume lançou uma golfada de gasóleo directo à fogueira!... 

Resultado: Ainda o encontrei petrificado (qual estátua) com o jerrican na mão todo negro e chamuscado, e só quando o abanei é que reagiu. A tragédia estava à vista. 

Com poucas horas de vida, a abóbada do nosso querido forno
tinha ido pelos ares.

Sem comentários:

Enviar um comentário